sábado, 29 de novembro de 2008

OBRIGADA LURDINHA

Há um ano atrás, perguntava-me com apreensão como iria enfrentar a nova fase, sem os "meus" meninos, sem a tarefa a que dediquei quarenta anos. Iria sentir o vazio da ausência deles, do sentimento de utilidade do trabalho que desempenhava, da urgência das diversas intervenções que o trabalho docente exige e a que quase sempre dei prioridade?
Imaginei-me a chorar pelos cantos apesar de ter tentado habituar-me à ideia da aposentação nos últimos três anos.
Ninguém é insubstituível mas, queremos acreditar às vezes que mais ninguém saberá executar, tão bem como nós, determinadas tarefas. É ingénuo e imodesto mas é assim! E quem quer deixar de sentir que existe para desempenhar uma nobre tarefa?
Apesar de no ano lectivo transacto já se ter começado a sentir com desconforto o resultado da insensatez de algumas directivas no campo da educação, mesmo até ao fim das minhas funções acreditei que prevaleceria o discernimento e que não poderiam, de todo, vir a ser tomadas.
Enganei-me e enganei-me também - felizmente, neste caso - quanto à reacção da classe docente. Que me perdoem os colegas mas tolerámos ao longo de décadas, eu incluída, o que não devíamos ter tolerado. A meu ver, e em três penadas que o assunto é complexo, porque temos uma classe demasiado heterogénea, porque não é fácil unir milhares mas, sobretudo porque a tarefa de ensinar/educar se tornou ano a ano mais e mais difícil absorvendo por vezes até à exaustão as energias.
Não é desculpa, é tentar encontrar razões. O último motivo que aponto devia ter sido suficiente para nos fazer mais que "espernear". Isso fizemos e mesmo assim não de forma organizada, para nos poder levar a decisões que não deixassem resvalar para o abismo o ensino da nação. Em local privilegiado assistimos a tudo. Não soubemos ou se calhar não pudemos agir. Não me refiro apenas ao dizer não colectivamente quando é necessário.
Retiraria hoje algum tempo às minhas inadiáveis tarefas junto dos e para os Zezinhos e Mafaldinhas que por mim passaram para denunciar e opinar sobre o que considerava errado, apesar de opiniões contrárias, apesar das directivas superiormente desenhadas noutros locais que não as escolas por onde passei.
É necessário reflectir, confrontar ideias, mas não ficar por aí. Há que finalizar as intenções de acção a todo o custo. Há que ultrapassar as fronteiras de cada escola, que o mundo não acaba aí e, meus amigos, o tempo corre. É preciso fazê-lo! Havendo o propósito, descobrir-se-á como. E se, apesar de vivermos num país com liberdade de expressão, for preciso dar atenção à possibilidade de vir a sofrer consequências nefastas - o que parece estar a acontecer com mais frequência do que se supõe - que se faça de forma inteligentemente oculta poupando incómodos ou mais que isso, uma vez que nem todos possuem a heroicidade da coragem do confronto mas, ainda assim, com opiniões válidas ou, não o sendo, que provocarão reflexão.
Posso agora responder à pergunta formulada antes: nunca pensei vir a estar tão grata à nossa Ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues. É que me facilitou a transição para um "novo capítulo". A Escola onde tive espaço de manobra para desempenhar a tarefa para a qual fui treinada e que sempre me fez dizer "vale a pena", deixou de existir. Lamento isso mas não estou a chorar pelos cantos, não me sinto inútil.
Tenho marcado encontros com as facetas do meu próprio eu adiadas há muito.
Tenho dormido tudo o que me deu na gana - sem remorso e com deleite. Nunca mais acordei a pensar em estratégias para melhor conseguir resultados, nos problemas dos putos - que tantas vezes trouxe para casa, em como me desdobrar para resolver também os problemas/tarefas domésticos, os pessoais, os familiares...
Quis saber como era não ter no dia seguinte quaisquer compromissos, senão os que eu quero, deliciar-me com as pequenas coisas, empreender projectos simples sem relevância aos olhos de outrem, que ficaram para "depois". Por quanto tempo será assim não sei. Não estou preocupada.
Se calhar aconteceria o mesmo sem o empurrãozinho da nossa "Lurdita". Mas, tenho de lhe agradecer a antecipação. Eu tinha casmurramente pensado trabalhar até aos 65.
Hoje levantei-me cedo, e bem agasalhada fui tomar o meu café na esplanada ainda vazia. Deliciei-me com a saudação dos vizinhos, depois com a leitura de um livrinho. Encantei-me com uma bátega de água, com os cinzentos desta manhã esplendorosa! Obrigada Lurdinha, obrigada! Não é que não tivesse gozado as pequenas coisas antes, que até gozei, mas agora têm um outro sabor, além de que posso prolongar quanto tempo quiser. Enfim, renovo energias e preparo-me para outro capítulo uma vez que, parece-me, também este - mais página menos página, está a findar.
Vou seguindo os acontecimentos com alguma preocupação, confesso, mas com o distanciamento e alívio de quem sabe que não terá de participar directamente, se a coisa der para o torto, em atrocidades que afundarão de vez este nosso cantinho para o qual alguns sonharam grandeza o que decerto não se conseguirá sem exigência, trabalho, esforço e sem verdade da parte de todos.

1 comentário:

virita disse...

Olá Rocquinha!

O teu desabafo é semelhante áquele de milhares de colegas que ultimamente têm-se aposentado,até com penalizações! Estas têm fugido às lutas que se travam!As qwue ficam olham com inveja as que se afastam para o descanso da sua caminha,do livrinho .E se tivessemos com as outras ,lá na escola? Teriamos a coragem necessária? A coragem que noutros tempos também foi precisa e a que muitos se negaram? Por isso se chegou a isto?